Marcadores

sexta-feira, 22 de março de 2013

Na peneira

A rota da gota de chuva-
Perdida no vento-
Faz uma curva
Entre o ar poento
E a quentura do alento.
Luva de borracha
Na mão de quem trabalha
E por vezes não acha
Que confecciona uma mortalha;
Se cega e se estraçalha.
A sanidade do amante
Que sem sorte não ama,
Inda que se levante
Mais cedo da cama
Pra ver se assim se recama.
Rolam as cabeças ornadas
Com o sangue que o povo derrama.
Que nasçam ardentes feridas
No peito dúbio de quem clama
Por verdades de pura infâmia!

Ervália,  20/03/2013

Cristiano Durães 

Anexando

Solta a chuva, guarda-chuva!
Não é tempo de dar tempo
E fazer a curva que se curva
Ante a realeza que não é real!

Penso e minto ao pensamento
Que socorre o que só corre
Das cinzas do incenso cinzento
Provindas da flora que aflora.

No bar o ato barato
Que inebria o que inibia
A força que nos força
A queimar as matas que matamos.

Tudo para aquecer o que quer ser
A trava que nos entrava,
Crendo em crer que um fio de frio
É a realidade da realeza.

Ervália, 20/03/2013

Cristiano Durães

Uma saudade cativa; uma cegueira viva

A madrugada se consolida.
Madrugando adormecida
A cegueira faz-me ser
Tudo o que foge do dever. 

Não me force à escuridão
Rimando cego com coração...
Seja pra onde for,
Não rime cegueira com dor...

Salve a saudade
Que a sanidade retrocede.
Eclipse total enxova
Na umidez da fria cova.

Chegando onde se quer chegar,
Busca-me no meio do mar
Onde o desejo se afogou;
Onde você me deixou. 

Ervália, 21/03/2012
 

Cristiano Durães 


sexta-feira, 15 de março de 2013

Ciclo de treva e luz


É noite em tantas existências...
Tantos sorrisos forçados
Tantas dores; tantas ardências
No viver desses desesperados!
E quantas lágrimas deixaste cair?
Quantas vezes perguntaste ao devir
Se faltava muito pra se extinguir o mar?

Tal mar de plantas negras à humanidade
Vive sorrindo e mostrando-se diverso.
Não ostenta apenas uma flor de vaidade.
Nele se encontra todo tipo de raiz do universo.
Cada folha é um anátema
Que a escuridão teima em ocultar.
Em cada espinho vê-se a queima
De cada virtude distante do olhar.

São margaridas negras emanando incerteza
E damas da noite embalsamando a morte.
São rosas negras de amor sem destreza
E apenas murchos trevos de má sorte.
Tudo é treva nessas praias,
E o vento voa batendo a porta.
Ao som do uivo de tais ventos (turvas vaias)
Dorme o poeta que não se importa.

Dorme na imensidão de tal mar.
Em suas ondas de negras pétalas vaga a falua.
Dorme sem medo de naufragar,
Crendo que o mar tenha a languidez da lua.
Desperta quando um espinho de rosa
Encrava-se em seu peito viril e amante.
Vê que a cor do sangue é honrosa
Quando essa cora sua pele trepidante.

A rosa é negra como a noite
Que emana trevos de má sorte.
O espinho é seco e é o açoite
Que fere o desdém ante a morte.
Toda rosa deveria ser escura,
Já que o que representa não é singelo.
Todo espinho deveria ter mais verdura
Já que suga a vivacidade do elo.

O poeta vê que no fundo celeste
Um luzir estonteante se enaltece.
Não crê que o criador o teste;
Vê que o nascer do sol já acontece.
A aurora é o anjo de Deus
A desmanchar as filaúcias inglórias.
Por ela encantam-se o adeus,
A mente errante e as escórias.

O poeta se encanta com o eflúvio do albor,
Deixando de lado aquilo que deveria ver.
Esquece-se do cigarro e diz sem dor:
“Contemplar o belo é o meu dever!”
Turvas pétalas cinzentas em seu rosto batendo...
Voam ao ermo no vento que regela
Aquele que via o perecer engrandecendo
E agora contempla a aurora tão bela.

Não há negrume a interrompê-lo.
Há apenas algo como o anoitecer.
Com rósea pétala em seu cabelo,
Ele não se preocupa sem perceber.
Seus olhos têm a cor do inferno
E em seus lábios guarda belos cantos.
Quem diria que o sol- tão terno-
Poderia dar-lhe tantos encantos?

Pisa na treva que tinha
O mar de ardor; o imponente.
No fundo, serena modinha
Seria algo interessante.
É o sol em seu reinado de açoite!
Já deixou de ser tão frágil albor!
Colore tudo que era negro ontem a noite;
Revelando alva paz e rubro amor!

Ervália, 12/03/2013

Cristiano Durães

Ciclo de treva e luz: Poetando e explicando



“É noite em tantas existências”, e, quando se trata do interior das almas, isso nos remete a dois eflúvios: O adormecer e o anátema. Ambos mórbidos e silentes, vivem nos deixando em dúvidas atrozes apenas estando a vagar por nossas cabeças e só podem ser encontrados nos olhos.
                Na noite tudo é negro. Se não o é, é iluminado por um luzir tão mórbido quanto a treva. As flores mais cheias de cor (dessas que ornam qualquer jardim); as ramas mais vistosas e cheias de vivacidade; os olhos mais verdes (desses que parecem ser duas esmeraldas a nos vigiar)... Tudo! Tudo se parece com o fundo celeste noturno que nos cobre. As cores desaparecem, a paz trepida, o amor enlanguesce, a lágrima é mais dorida e tudo isso só é como é por ser noite.
                Um homem à deriva num diferenciado mar durante a noite (não digo que seja um homem qualquer, a menos que seja qualquer sonhador ou qualquer poeta). Adormecido nesse mar –um mar de filaúcias e detalhes- tudo o que tem é a embarcação onde se encontra. Uma embarcação fria, sobretudo, mister. Tinha a palavra “poesia” gravada na lateral direita.
                Não é o mar, com suas ondas tempestuosas e ferozes, arrebentando-se nas bordas da embarcação à deriva que rege o destino do poeta e sim a própria falua. Ela dá à mente do desesperado emoções arrebatadoras e cruéis e também sensações de calmaria ante à tormenta. Aniquila a razão do homem e constitui a lei absoluta na psique de tal sonhador.
                O negrume do mar (que são os anátemas avolumados) é vivo, como as plantas citadas anteriormente. Isso até que a estrela-mor pare de iluminá-lo, dando a ele um tom fúnebre; mórbido... Não é plausível crer que uma rosa vermelha- simbolizando o amor- possa recamar um coração sendo a cor de suas pétalas ofuscadas pelas trevas.
                Nós adormecemos na serenidade do balanço das ondas de anátemas. Desses nos esquecemos. Só nos lembramos quando qualquer espinho nos penetra fundo na pele, rasgando-nos e fazendo-nos com que olhemos a imensidão desse negro mar. No primeiro momento, pranteamos e esperamos que o mar tenha um fim; que uma praia segura, morna e clara nos espera ansiosamente. Nada fazemos, além do que não devíamos fazer.
                Sem nos distanciar-nos do interior das almas, falemos de aurora. Ah! Como é bela! É pacificadora e ofuscante, inda quando ainda é simples albor; simples silhueta de doirada luz no horizonte eloqüente. Revela-nos tudo aquilo que a noite insiste em ocultar: As cores, a vida, as soluções... Tudo aquilo que nos aquieta as almas.
                Amanhecendo. O poeta se perde no fascínio pela luz, após tanta escuridão em seu olhar. Contempla  o sol alucinado, não ocupando-se com os anátemas. Não nota que tudo ao seu redor ganha vida e cor. Jamais há de notar; seus olhos são enfeitiçados pelo devaneio vaporoso que é o nascer do dia. Necessita da beleza da luz, mas não repara no que ela proporciona.
                 O dia é tedioso e nele não há tempo  de divagar nesses delírios coloridos. O que se sabe é que quando as margaridas alvas começam a ficar cinzentas; quando o sol vai se afogar em seus próprios anátemas, deixando-nos com os nossos, o poeta desperta novamente. Desperta para notar que “é o fim”. Desperta para chorar as suas derrotas que, durante o dia, não notou que eram empates e até vitórias.
                Tudo é treva novamente... Se queres saber o que acontece após o despertar do poeta, releia tudo de novo. Esse é o ciclo do ID poético.

Ervália, 12/03/2013

Cristiano Durães

quinta-feira, 7 de março de 2013

Poema do amor trepidante

Meu Deus! Quando cantam
Os demônios do coração;
Quando os eflúvios se encantam
E a sanidade insiste em dizer "não"!

Quando a amada se mostra distante
Desvanescendo os sonhos em divinal sono;
Quando é longo o instante
Em que o peito revela-se insano!
 
Quisera eu que os lábios se tocassem,
Selando o desejo que pragueja a realidade!
Quisera eu que as mãos se fechassem
Com certa ardência e lânguida vaidade!

E tu? Desejaste se perder
No ebrioso afã do amor vaporoso
Fazendo-se crer
Que meu estro é honroso?

E tu? Por que não deixas
A vida mostrar-lhe que a lua que a observa
Deixa-nos sempre à mercê das endeixas
E do veneno de estonteante erva?

E quanto a mim? Deveria crer
Que a erva venenosa que cultivo
É simples amor a me deter,
Sendo esse tão nobre e altivo?

E quanto a mim?
Por que nao aceitas os amores meus,
Tornando assim
Os meus anseios todos teus?

Ervália, 05/03/2013

Cristiano Durães

terça-feira, 5 de março de 2013

Romeu e Julieta... ?

I - A METÁFORA   

"Amaste um instante que foi tua vida como Julieta e como Romeu e não tiveste a conversa ao luar no jardim do Capuleto!"
          ÁLVARES DE AZEVEDO


Ai! Romeu! Louco Romeu!
Acima do céu, amante.
Por que não contentas com a sina que lhe deu
A vida tão vigorante?

Ai! Romeu! Roto Romeu!
Por que não abandonas o Capuleto,
Já que sabes que o amor que é teu
É tão incerto e obsoleto?

Ai! Julieta! Bela Julieta!
Acima do céu, mister.
Por que tua mente aproveita
Do coração de quem lhe quer? 

Ai! Julieta! Langue Julieta!
Por que insistes em ressaltar
Que o que mais desorienta
É o eflúvio do teu olhar?

São chamas de amor tão tórrido
Nesse meu peito ensanguentado!
As rimas pobres são chamadas
De mero estro agoniado!

II - EU                      
                                "Sou te pálido amante vaporoso!
                                  Sou teu Romeu; Teu lânguido poeta!"
                                                       CASTRO ALVES
                        
Divino sono é o teu, amada.
Não há serpente a assustar-lhe.
Meu cantar não a enfada, 
Inda que o medo o retalhe.

E se no negrume da noite
Tua voz é sempre mais doce,
Seria na noite que a rara sorte
Se glorifica; se enaltece?

Tenha dó, pálida amante!
Não apunhale o coração
Com teu olhar tão distante
Que emana a realeza de um leão!

E se cada plano que fiz contigo 
Tornar-se realidade...
Meu Deus! Já tenho meu abrigo!
Encontrei minha felicidade!

Ai! Agora me ouves! Sonho meu!
E o amor que me testa
Simplesmente quer ser teu.
Um amar que me infesta...

Ai! De tantos atos medonhos,
O mais demente foi o meu:
Fiz de ti a Julieta dos meus sonhos;
Querida! Me deixa ser Romeu!

Ervália, 04/03/2013

Cristiano Durães